Com novo papa, atenção se volta a padre 'suavemente' rebelde
Viena – Com sua aparência gentil e profundos olhos azuis, o reverendo Helmut Schüller nem de longe parece desobediente em pessoa. Ele tem a presença calma e segura dos melhores padres paroquiais quer esteja de hábito ou, como em uma tarde recente, usando roupas comuns.
Viena – Com sua aparência gentil e profundos olhos azuis, o reverendo Helmut Schüller nem de longe parece desobediente em pessoa. Ele tem a presença calma e segura dos melhores padres paroquiais quer esteja de hábito ou, como em uma tarde recente, usando roupas comuns.
Porém, como um dos organizadores de um grupo com mais de 400 sacerdotes e diáconos que, em 2011, lançou o 'Apelo à Desobediência', Schüller, 60 anos, granjeou a reputação de ser um dos principais rebeldes dentro da igreja austríaca. E isso não é um pequeno feito nesta pequena nação alpina, talvez o país mais indisciplinado no mundo católico, um laboratório de ideias liberais e tentativas de reforma.
Entre os setes pontos do Apelo, o grupo disse que 'aproveitaria toda oportunidade para falar publicamente a respeito da admissão de mulheres e pessoas casadas no sacerdócio'. O grupo foi censurado pelo papa Bento XVI durante sermão no ano passado e Schüller perdeu oficialmente o título honorífico de 'monsenhor' poucos meses mais tarde.
Porém, ao contrário de muitos padres que se viram em discordância profunda com o Vaticano, ele prefere continuar trabalhando como sacerdote. Antes vigário-geral da arquidiocese de Viena, Schüller agora trabalha como padre paroquial comum em Probstdorf, a cerca de meia hora de carro da catedral de Santo Estevão, na cidade velha de Viena.
Segundo Schüller, a Iniciativa dos Pregadores começou com um grupo pequeno de padres conversando sobre os problemas enfrentados nas paróquias, a falta de sucessores para assumir seus lugares e a fusão de congregações em resposta ao número declinante de padres e paroquianos.
Ele quase parecia fatigado quando o assunto passou a ser o fim do celibato obrigatório, como se a imprensa sempre quisesse falar sobre sexo quando assuntos menos chocantes, como liturgia, ecumenismo e a concessão de permissão para leigos pregarem nas paróquias sem padres suficientes, eram igualmente prementes.
'A igreja está fundamentada na congregação. Não se pode reduzir o fiel a um consumidor que recebe um serviço', disse o padre.
A recente eleição do primeiro papa latino-americano foi saudada com empolgação, um sinal de mudança e evidência tangível de que a igreja global havia se transformado em realidade. Se o papa Francisco pode planejar concentrar os esforços de seu papado nas regiões de crescimento rápido e nos problemas que preocupam seus paroquianos mais pobres, ele muito provavelmente terá de lidar com os novos desafios dos dissidentes em seu próprio quintal, como Schüller.
Pedidos de um papel maior dos leigos nas decisões da igreja, mulheres no sacerdócio e o fim do celibato obrigatório para padres cresceram nos setores liberais da Europa e dos Estados Unidos. Francisco terá de enfrentar as exigências divergentes de uma igreja mundial.
'Em países com fome extrema e violência, onde crianças são roubadas, essas não são as questões principais', disse Hans Peter Hurka, diretor da iniciativa leiga Nós Somos a Igreja, da Áustria. 'Porém, assim que tais necessidades são atendidas, essas questões surgem muito, muito rapidamente.' Todavia, ele alertou contra a atenção concentrada em Schüller. 'Não se resume a uma pessoa só.'
Especialistas apontam as raízes da dissidência na Áustria à época da Reforma, que varreu os territórios austríacos e foi brutalmente reprimida pela casa dos Habsburgo durante a Contrarreforma, transformando o país novamente em católico, mas deixando ressentimento duradouro e desconfiança da hierarquia e das imposições eclesiásticas. 'Nós o transformaremos novamente em católico' é uma expressão antiga ainda empregada ocasionalmente, com o significado de colocar alguém em seu devido lugar.
Schüller ouviu o chamado da igreja em tenra idade, talvez influenciado pelo nascimento à véspera de Natal. Nascido e criado aqui em Viena, ele ficava encantado pelo aspecto místico, os sons do órgão e as orações melífluas. E o menino se tornou coroinha.
No tempo do amado cardeal Franz König, muitos austríacos ficaram particularmente entusiasmados com as mudanças promovidas pelo Concílio Vaticano II. Após décadas de retrocesso, é difícil lembrar a explosão de ideias frescas que surgiram durante o Concílio, ocorrido entre 1962 e 1965, e nos anos logo depois dele.
Josef Polleross/The New York Times
Entre os estudantes que decidiram entrar para o sacerdócio durante essa época de efervescência intelectual estavam Schüller. A igreja era um lugar estimulante em termos intelectuais à época, com debates não apenas sobre questões teológicas, mas também sobre o futuro da igreja e as questões de justiça social levantadas pelo movimento conhecido como teologia da libertação.
Ele foi ordenado em 1977, ainda esperando a continuidade das reformas e modernizações na igreja. No ano seguinte, a igreja teria três papas na sequência das mortes de Paulo VI e de João Paulo I, sucedido pelo cardeal polonês Karol Wojtyla, que adotou o nome João Paulo II. 'No começo, eu estava fascinado', disse Schüller a respeito de João Paulo II. 'O grande assunto da Europa Oriental era o foco.'
Além da nova ênfase nos países atrás da Cortina de Ferro, outras mudanças se tornaram aparentes. Aconteceu uma reação adversa contra a teologia da libertação e o afastamento do espírito de reforma personificado pelo Concílio Vaticano II. As expectativas de uma igreja modernizada terminaram sendo contidas por um contramovimento tradicionalista. O Vaticano enviou bispos extremamente conservadores para a Áustria, entre eles o cardeal Hans Hermann Groër para o lugar de König, provocando grande discórdia.
Schüller se ocupou durante esses anos trabalhando com jovens e com a instituição beneficente católica Caritas, onde passou alegremente quase uma década, tornando-se diretor austríaco em 1991.
Até mesmo seu papel na instituição não foi livre de controvérsias. Ele não tinha papas na língua ao defender imigrantes e pessoas em busca de asilo, fazendo parte de um grupo de austríacos proeminentes que receberam cartas-bomba pelo correio.
A fagulha que transformou o descontentamento em oposição organizada se deu em 1995, quando Groër foi acusado de abusar sexualmente de seminaristas. Groër nunca admitiu a culpa nem foi acusado, mas milhares de austríacos abandonaram a igreja em resultado do escândalo. As acusações de abuso contra Groër também levaram à fundação do Nós Somos a Igreja, que coletou mais de 500 mil assinaturas num pedido de referendo por mudanças na igreja.
'Desde 1995, a igreja na Áustria nunca mais encontrou a paz', disse Heiner Boberski, correspondente religioso do jornal 'Wiener Zeitung' e autor de livros sobre o Vaticano.
Neste momento de agitação, Christoph Schönborn sucedeu Groër, que caíra em desgraça, como arcebispo de Viena. Ele pediu para Schüller assumir como vigário-geral, espécie de diretor de operações da diocese. Schüller granjeara a reputação de bom administrador na chefia da instituição beneficente e teria preferido ficar nela durante a carreira inteira, mas aceitou o convite quando este chegou.
No ano seguinte, 1996, Schüller se tornou o chefe de um novo grupo encarregado das alegações de abuso. Ele descreveu o processo de aprender mais a respeito do abuso infantil como significativo para a compreensão geral da igreja, quase um despertar. O ato de confrontar o abuso sexual também começou a cristalizar certas ideias sobre o poder centralizado da igreja que nunca antes haviam sido ventiladas.
'Não é apenas abuso sexual, mas abuso sistemático de poder', disse Schüller. 'O sistema ganhou matizes adversos.'
Schönborn demitiu abruptamente Schüller do cargo de vigário-geral em 1999. Os problemas cotidianos de sua paróquia foram modelando seu pensamento. Em abril de 2006, ele ajudou a fundar a Iniciativa dos Pregadores, pedindo reformas na igreja.
'Ele é bastante receptivo a ideias novas de nossa parte', afirmou Maria Todling-Weiss, 42 anos, que trabalha com Schüller na administração da igreja em Probstdorf. 'Ele sempre fala: 'Vamos tentar'.'
'Tem a ver com a igreja vinda de baixo', ele afirmou levantando as palmas para cima da mesa, um gesto literalmente edificante, 'ou igreja de cima'. Com essas palavras, ele aperta para baixo. Não existe sombra de dúvida sobre de qual lado ele está.
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Por Nicholas Kulish- The New York Times News Service/Syndicate