sexta-feira, 25 de janeiro de 2013








Em troca de dedicação integral, quem segue carreira pode ganhar um salário de até R$ 22.000 por mês, diz Silas Malafaia.

Silas Malafaia em Águas de Lindoia: a organização do evento custou R$ 4 milhões (Foto: Mario Rodrigues)

Era início de tarde de uma terça-feira de dezembro quando um ônibus saiu da Igreja Evangélica Assembleia de Deus do Bom Retiro, localizada na Barra Funda, rumo a Águas de Lindoia. “Que Deus abra o caminho contra as sílabas do maligno”, anunciou o guia da excursão, antes de o veículo dar a partida. Na cidade do interior do estado ocorreria a quarta edição da Escola de Líderes da Associação Vitória em Cristo (Eslavec), um dos maiores cursos nacionais para a formação de pastores. 

Durante quatro dias, cerca de 5.000 alunos, vindos da capital paulista, do interior e de várias regiões do país, compareceram ao intensivão gospel, incluindo o repórter de VEJA SÃO PAULO, que pagou R$ 700,00 pela inscrição e não se identificou como jornalista na ocasião.

O criador e principal instrutor do evento é o religioso Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que reúne 120 igrejas no Brasil. A entidade começou no Rio de Janeiro, onde mantém até hoje sua base. Está entre as prioridades atuais acelerar a expansão em São Paulo. Aqui, ele planeja abrir templo próprio em 2014 (por enquanto, Malafaia prega semanalmente na Assembleia de Deus do Bom Retiro, de Jabes Alencar) e mais de 250 outros endereços num prazo de dez anos.

No trajeto de 180 quilômetros até Águas de Lindoia, foi possível começar a conhecer melhor o público variado atraído pela Eslavec. Havia pastores formados que encaravam a oportunidade como uma espécie de pós-graduação na área, muitos fiéis interessados em transformar a vocação num trabalho remunerado (Malafaia chega a pagar salários mensais de até R$ 22.000 aos maiores talentos) e alguns curiosos. 

Quase todos carregavam uma Bíblia na mão durante a viagem. A maioria dos rapazes vestia calça de tergal e camisa social, enquanto as mulheres trajavam saia jeans até a altura do tornozelo. Destoavam apenas uma bolsa Louis Vuitton no braço de uma senhora e um reluzente relógio Gucci no pulso de uma dona de casa, moradora do bairro de Higienópolis.

No caminho, um grupo se reuniu no fundo do ônibus para discutir assuntos variados. Celebraram a maior presença evangélica na programação da Rede Globo, comentaram o movimento homossexual (“É uma tirania, esse povo quer ter mais direitos que o resto da população”, afirmou um homem) e esconjuraram o Carnaval (“Uma grande tentação para os jovens”, definiu um senhor, sob os olhares de aprovação dos demais). 

Uma mulher aparentando cerca de 40 anos contou que quase perdera a oportunidade de estar ali devido a um acidente no qual rompeu o ligamento do pé direito. “Entrei no Google para aprender alguns exercícios de fisioterapia, ungi a região e agora estou nova”, explicou. O percurso de quase três horas ocorreu num clima de tranquilidade, quebrado apenas numa ocasião pelo grito de uma passageira. “Onde está o repelente, Senhor?”, dizia ela, incomodada com os mosquitos zunindo sobre sua cabeça. “Misericórdia, meu Jesus!”, bufava, enquanto desferia golpes no ar com um travesseiro.

Em Águas de Lindoia, essa turma e as demais foram divididas em dezesseis hotéis do município reservados exclusivamente aos evangélicos. No Casablanca, que hospedou o repórter de VEJA SÃO PAULO, com diárias a partir de R$ 208,00 fora do período do evento, o quarto era partilhado com outros três participantes, todos eles pastores (um de Mato Grosso do Sul, outro do Maranhão e o último do Pará). No frigobar, havia apenas água mineral e refrigerantes. 

Por ordem dos responsáveis pela Eslavec, bebidas alcoólicas são proibidas durante os dias do curso. Os organizadores investiram R$ 4 milhões para realizar o evento e distribuíram, de graça, 3.000 matrículas num sorteio promovido pelo site da igreja de Malafaia. Uma das contempladas, a paulistana Sarah Leitão, de 21 anos, diz ter recebido um chamado de Deus para ser pastora. “Minha hora vai chegar”, confiava ela.


Sarah Leitão, de 21 anos: “recebi um chamado de Deus para ser pastora” (Foto: Mario Rodrigues)

A apresentação de Malafaia abriu as atividades, realizadas num centro de convenções. Quando ele surgiu no palco, muitos levantaram seus smartphones e tablets para fazer fotos e vídeos. Malafaia concentrou sua fala nas qualidades essenciais a um bom líder. Entre elas, está a de sempre honrar o pacto de fidelidade à sua igreja de origem, numa alusão clara aos que deixam os templos levando junto parte do rebanho e do respectivo dízimo. 

“Temos de respeitar quem nos tirou a fralda no Evangelho”, afirmou, ganhando aplausos do público. Antes de cada palestra, uma espécie de supermercado da fé tomava conta do local, com anúncios de descontos em livros, DVDs e CDs evangélicos. “Você compra com cheques para trinta ou sessenta dias, revende ao pessoal da sua igreja e ainda ganha um cascalho”, sugeriu Malafaia.

 Outros colegas deram prosseguimento aos trabalhos, enfatizando sempre as regras do ofício que consideram sagradas. Quando um pregador for designado para uma cidade distante da sua, por exemplo, deverá sempre comprar um imóvel para estabelecer raízes e não se sentir um exilado. “A população local vê essa atitude com bons olhos”, disse o pastor Silmar Coelho. Adultério e prática homossexual são pecados imperdoáveis. 

Para deixar claro quanto a família é importante, a mulher do religioso deve estar sempre presente nas atividades e orações. “Ajuda a não dar margem a fofocas”, justificou Coelho, usando em seguida um exemplo pessoal para reforçar esse ponto de vista. “Quando minha esposa estava grávida, chegou a acompanhar meu culto, mesmo sofrendo graves dores nas costas”, relatou. Mais aplausos da plateia.

Num cercadinho onde só entravam convidados da organização, havia uma área vip para alguns estudantes, ocupada por pessoas como Sarah Sheeva, uma das filhas do casal de cantores Baby do Brasil e Pepeu Gomes. “Fui ungida pastora adjunta da minha igreja no Rio, a Celular Internacional, então não ganho salário e vivo da venda dos meus livros”, afirmou. As obras em questão são de literatura gospel — Onde Foi que Eu Errei, sobre a aflição dos pais que se perguntam por que os filhos foram para o caminho errado, e Defraudação Emocional, título de autoajuda para evitar tropeços na vida sentimental.


Sarah Sheeva: integrante da plateia vip (Foto: Mario Rodrigues )

Outra grande estrela da Eslavec foi o americano T.D. Jakes, da Potter’s House, de Dallas, uma das maiores igrejas evangélicas dos Estados Unidos. Em seu currículo, constam feitos como a realização do discurso de despedida no funeral da cantora Whitney Houston, em fevereiro de 2012. “Ele cobra US$ 300.000 por palestra, mas para mim fez por US$ 60.000”, contou Malafaia. A cada fala do americano, um negro forte e alto, o pastor Gidalti Alencar, baixo e mirrado, traduzia sua fala remedando seus gestos com as mãos. 

“Os jovens estão com a força e devem assumir a vocação que Deus lhes deu, conquistando fiéis com a palavra do Senhor”, pregou o bispo de Dallas. Numa de suas aulas, pediu aos alunos entre 18 e 25 anos que entoassem uma oração à meia-noite daquele dia. Aplicados, os aprendizes promoveram rezas, gritos e cantorias no horário combinado, fazendo com que os hotéis onde estavam hospedados tivessem um clima de rave de Jesus.

Nos últimos anos, os evangélicos vêm crescendo rapidamente no país. Só na cidade de São Paulo, os adeptos passaram de 1,6 milhão de pessoas, em 2000, para 2,5 milhões, em 2010, representando hoje 22% da população da metrópole. Com mais rebanho para cuidar, aumentou também a necessidade de acelerar a formação dos pastores. O evento da Eslavec é um exemplo do atual grau de profissionalização do negócio. “Temos muitos pastores em ação, mas poucos são verdadeiramente qualificados”, afirmou Malafaia.

Na capital, atuam aproximadamente 30.000 líderes da religião, segundo estimativa do Sindicato dos Ministros de Cultos Religiosos Evangélicos e Trabalhadores Assemelhados do Estado de São Paulo. Criada em 1999, a entidade surgiu com o objetivo de garantir os direitos trabalhistas da categoria. 

“Para não aumentarem seus custos, alguns donos de igrejas não remuneravam de forma adequada, e a Justiça demorou a aceitar que essa era uma profissão como as outras, com direitos e deveres da parte do empregador e do empregado”, explica José Lauro Coutinho, pastor da Assembleia de Deus e fundador do sindicato. Segundo seus cálculos, cerca de cinquenta evangelizadores moveram ações nos últimos dez anos cobrando dívidas e pedindo indenizações.


R  R Soares igreja da graça e Valdemiro Santiago mundial do poder

Atualmente, de modo geral, a política das principais igrejas é valorizar a mão de obra, protegendo-a da cobiça das concorrentes. Comuns no meio corporativo, as estratégias para reter talentos e premiar funcionários que cumprem metas de lucros foram incorporadas ao mundo neopentecostal por Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus.

Nos anos 90, quando ela passava por um forte processo de expansão, Macedo criou um meio de supervisionar seus encarregados. Eles permaneciam, em média, de um a dois anos em um templo para evitar que saíssem para abrir a própria igreja, levando os fiéis.

Na igreja internacional da graça do missionário R R Soares, os pastores ganham por comissão, ou porcentagem, ou seja, quanto ganha mais eles tiram das pessoas, mais entra no bolso deles.

Por essa ganância eles fazem campanhas como rosa "ungida" , sal grosso, tijolo da casa própria, chave da vitória, lenço "ungido", alianças e tantas outras heresias para segurar o fíél consumidor em suas gaiolas mercantilistas.  


Por exmplo: o regional de Santo Amaro Fabiano Barbosa ganha em torno de 7000 mil reais + beneficios em moradia. Mas para ganhar isso, ele precisa manter os valores em alta na igreja da graça de Santo Amaro  e fazer muitas campanhas atrativas ao fiél consumidor.


" pastor " Fabiano Barbosa da igreja da graça ganha em torno de 7000 mil reais por mês


TEMPLO É DINHEIRO - Os mandamentos para faturar e conquistar fiéis

Inovar nas ofertas  - Há múltiplas alternativas para pedir contribuições: para a construção de novos templos, para imprimir livros, para ajudar a gravar um CD ou para pagar uma palestra de um pastor de outro estado. A venda de objetos como fronhas e toalhas figura entre outras fontes de receita. É fundamental ter máquinas para receber ofertas nos cartões de débito e de crédito.

Caprichar no discurso – Frases de efeito, muitas vezes cheias de clichês, são ditas a cada minuto de forma a dar ênfase à mensagem e prender a atenção da plateia. “Não deixar o cavalo morrer na batalha”, “A fofoca é capaz de destruir as bases sociais” e “Morar com a sogra é ruim porque se dá um incesto emocional” são alguns exemplos. Fechar os olhos enquanto se prega dá ares ainda mais dramáticos.

Ter dons artísticos - Chorar, soltar o gogó como se cantasse numa ópera e pular de um lado para o outro. O púlpito, muitas vezes decorado com telões de LED, vira um palco, onde o pastor faz um monólogo. Daí ser fundamental dominar técnicas teatrais, como saber dar ênfase exata a determinadas palavras e mexer os braços de forma a projetar uma imagem de profeta. O visual deve sempre estar alinhado.


Sonia e Estevam Hernandes, da Renascer: provas escritas para
contratar novos membros (Foto: Gilberto Telles )

“Esses homens tinham cotas para arrecadar. Uma vez ultrapassada a do mês atual, o valor atingido vira a cota do mês seguinte. É como um banco”, compara Leonildo Silveira Campos, professor de pós-graduação em ciências da religião da Universidade Metodista e autor do livro Teatro, Templo e Mercado: Organização e Marketing de um empreendimento Neopentecostal.

Os salários da Universal variam hoje entre R$ 1. 500 e R$ 10.000, mas há cargos mais bem remunerados, como o dos chefes regionais. “Os pastores têm tabelas a ser preenchidas, com os gastos e os ganhos do mês”, acrescenta o especialista.

A disputa por gente qualificada provoca atualmente uma guerra nesse meio. Valdemiro Santiago, da Mundial do Poder de Deus, faz um corpo a corpo para tirar gente dos quadros da Universal e da Internacional da Graça de Deus. “Ele oferece plano de saúde, aluguel da casa e salários maiores”, diz Ricardo Bitun, professor de sociologia e teologia do Mackenzie.

O teto salarial da Mundial é de R$ 15.000. “Em alguns casos, ela aumenta a remuneração fixa, concedendo de 8% a 10% da arrecadação das ofertas ao pastor”, afirma Bitun.

A Renascer, de Estevam e Sonia Hernandes, paga entre R$ 1.500 e R$15.000 aos membros mais graduados. “Para fazer parte da nossa comunidade, é preciso passar por um processo seletivo”, diz a bispa Amanda Baldoni, a responsável pela escola teológica da Renascer.

Vejo ao lado o vestibular na Resnacer para aprovação do candidato.


 “Profissional bom, com o dom da palavra e comprometimento com o ministério, precisa ser valorizado”, defende Malafaia, o único entre os grandes líderes a expor a receita de sua igreja: segundo ele, R$ 40 milhões em 2012.
“Meus discípulos ganham entre R$ 4.000 e R$ 22.000. Também banco casa e escola para os filhos”, enumera.

Mais recentemente, Malafaia estabeleceu que, caso alguém de sua equipe seja aceito em qualquer curso da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, ele financiará integralmente os estudos.

A busca pela prosperidade é estimulada pelas igrejas, e muitos dos fiéis não escondem que vislumbram o ofício como um meio de ascensão social.

Entre os estudantes da Eslavec, um caso muito comentado era o de Agenor Duque, fundador da Apostólica Plenitude do Trono de Deus.

Em 2006, quando decidiu deixar a Mundial para abrir a própria frente de pregação, ele vendeu seu carro Astra por R$ 25.000. “Precisava comprar tempo em uma rádio”, lembra. 

Atualmente, aos 36 anos, é dono de cinco templos, sendo um deles localizado em um imóvel na Avenida Celso Garcia, na Zona Leste da capital, pelo qual desembolsou R$ 3,5 milhões. Além disso, tem caixa para bancar espaço diário em três emissoras de rádio e uma de TV. “Gasto R$ 48.000 com esses compromissos”, afirma. O investimento vale a pena. Duque tem sido convidado para aparecer em programas de TV e, no próximo Carnaval, promoverá um evento no estádio do Canindé com a expectativa de receber 30.000 pessoas.


Wesley Rebustini, de 28 anos: cinco novas igrejas em 2013

(Foto:Mario Rodrigues)

Histórias como essa faziam brilhar os olhos de muitos dos presentes nas palestras em Águas de Lindoia. Um dos alunos, Wesley Rebustini, de 28 anos, sonha alto. Seus pais fundaram a Bíblica da Paz há duas décadas. Em 2010, depois de cursar teologia nos Estados Unidos, o rapaz voltou para o Brasil com a missão de tocar os planos de expansão. 

No ano passado, ele abriu três templos na Grande São Paulo. “Serão outros cinco em 2013”, planeja. Wesley é irmão do cantor gospel Guilherme Rebustini, do elenco da Sony Music, e diz não pagar salários aos seus pastores-funcionários. “Nesse momento, eles podem ter um emprego para se manter e não se dedicam integralmente à nossa causa”, justifica. “Mas isso certamente vai mudar quando crescermos.







“O SENHOR me guarde de que eu faça tal coisa ao meu senhor, isto é, que eu estenda a mão contra ele, pois é o ungido do SENHOR” (1Samuel 24.6).

“A Bíblia diz: Ai daquele que tocar no ungido do Senhor!”


Quantas vezes você já ouviu essa afirmação, que soa como uma espécie de imprecação e ameaça? Particularmente, já ouvi dezenas de vezes. Já li outras tantas. Ela é usada com frequência por alguns pastores e líderes que imaginam que o pastorado os torna incriticáveis. 

A ideia transmitida pelo uso indiscriminado da expressão “sou um ungido do Senhor” é que a mesma é uma espécie de “imunidade eclesiástica”, que concede ao indivíduo licença para fazer o que quiser, agir como bem entender, sem a obrigação moral de prestar contas a ninguém por seus atos e seus desmandos. 

Basta que você admoeste o indivíduo por alguma coisa para imediatamente ele (ou alguém que o apoia em suas loucuras megalomaníacas e narcisistas) diga: “A Bíblia diz: Ai daquele que tocar no ungido do Senhor!”

Será que isso está correto? Será que os pastores são os “ungidos do Senhor” e, por essa razão, são incriticáveis e intocáveis? Possuem eles algum tipo de imunidade, que o impede de ser admoestado, exortado a se arrepender de seus pecados? Precisamos examinar as Sagradas Escrituras, pois só elas podem nos dar o correto entendimento da expressão.


A expressão no Antigo Testamento

O termo “ungido” (no hebraico, 
x;yvim' [Mashiah] aparece 47 vezes nas Escrituras do Antigo Testamento, majoritariamente em 1 e 2Samuel (19 vezes) e em Salmos (9 vezes). 
Victor P. Hamilton afirma que, “mashiah é quase exclusivamente reservado como sinônimo de ‘rei’ (melek, q.v.), como em textos poéticos, onde é paralelo de ‘rei’ (1Sm 2.10; 2Sm 22.51; cf. Sl 2.2; 18.50 [51]; mas cf. Sl 28.8, onde é paralelo de ‘povo’). 

São notáveis as frases ‘o ungido do SENHOR’ (mashiah YHWH) ou equivalentes, tal como ‘seu ungido’, as quais se referem a reis”.[i] É importante compreender, como afirma Geerhardus Vos, que “a palavra sempre é qualificada por um genitivo ou um sufixo ligada a ela: ‘o Messias de Yahweh’ (‘o Ungido do Senhor’), ou ‘meu Messias’ (‘meu Ungido’)”.[ii] Algumas passagens podem ajudar a elucidar isso:

“Os que contendem com o SENHOR são quebrantados; dos céus troveja contra eles. O SENHOR julga as extremidades da terra, dá força ao seu rei e exalta o poder do seu ungido”(1Samuel 2.10).

No contexto da escolha de Saul como o primeiro rei de Israel, o profeta Samuel, em seu discurso de despedida, diz: “Eis-me aqui, testemunhai contra mim perante o SENHOR e perante o seu ungido: de quem tomei o boi? De quem tomei o jumento? 

A quem defraudei? E das mãos de quem aceitei suborno para encobrir com ele os meus olhos? E vo-lo restituirei [...] E ele lhes disse: O SENHOR é testemunha contra vós outros, e o seu ungido é, hoje, testemunha de que nada tendes achado nas minhas mãos. E o povo confirmou: Deus é testemunha" (1Samuel 12.3,5).

Por ocasião da unção de Davi como rei de Israel, Samuel imaginou que Eliabe fosse o ungido do Senhor: “Sucedeu que, entrando eles, viu a Eliabe e disse consigo: Certamente, está perante o SENHOR o seu ungido” (1Samuel 16.6).

“No presente sou fraco, embora ungido rei...” (2Samuel 3.39a).
“Então, respondeu Abisai, filho de Zeruia, e disse: Não morreria, pois, Simei por isto, havendo amaldiçoado ao ungido do SENHOR?” (2Samuel 19.21).
“É ele quem dá vitórias ao seu rei e usa de benignidade para com o seu ungido, com Davi e sua posteridade, para sempre” (2Samuel 22.51).

Todas as passagens listadas acima mostram, de forma indubitável, que a figura do “ungido do Senhor” no Antigo Testamento era o rei de Israel, o rei-pastor, responsável pela condução e cuidado das ovelhas de Yahweh.
  
Outra passagem muito importante que atrela o conceito de “ungido do Senhor” à figura do rei é 1Samuel 24.6: “O SENHOR me guarde de que eu faça tal coisa ao meu senhor, isto é, que eu estenda a mão contra ele, pois é o ungido do SENHOR” (cf. também 24.10; 26.9,11,16,23 e 2Samuel 1.14,16,21). 

O “ungido do SENHOR” a quem Davi se refere é o rei Saul. Matthew Poole afirma que essa expressão significa que Saul foi “ungido por Deus para o reino”.[iii] Isso é representado pelo ato de ter sido ungido com óleo pelas mãos do profeta Samuel: “Tomou Samuel um vaso de azeite, e lho derramou sobre a cabeça, e o beijou, e disse: Não te ungiu, porventura, o SENHOR por príncipe sobre a sua herança, o povo de Israel?” (1Samuel 10.1).

No Pentateuco o termo mashiah foi usado para se referir ao ofício sacerdotal. “Moisés recebeu instruções para ungir, ordenar e consagrar Arão e seus filhos, de modo que eles pudessem ser reconhecidos, autorizados e qualificados para servir no sacerdócio”.[iv] 

Em Levítico 16.32 está escrito: “Quem for ungido e consagrado para oficiar como sacerdote no lugar de seu pai se fará a expiação, havendo posto as vestes de linho, as vestes santas”

Outras passagens que falam dos sacerdotes como “ungidos” são: Levítico 4.3,5,16; 6.20,22 e Números 35.25. Além disso, Êxodo 29 traz em detalhes as prescrições divinas para a unção e consagração de Arão e seus filhos como sacerdotes.

Existe discussão quanto à unção para o ofício de profeta. Existe discussão até mesmo sobre profeta não ser um ofício. Há quem defenda essa posição. De acordo com essa visão, visto que os profetas não eram ungidos no Antigo Testamento, eles não podem ser considerados como detentores de um ofício, mas sim de uma função. Essa posição é seriamente desafiada por Gerard van Groningen, que acertadamente diz:

Pela falta de prova bíblica não se deve concluir que os profetas não eram ungidos, isto é, designados, separados, autorizados e capacitados para seu trabalho. O fato de não haver relato de um rito de unção prescrito não significa a inexistência de um rito. 

O fato de haver referência à unção de profetas leva-nos à suposição de que um rito poderia ter sido conhecido, mesmo que não fosse praticado sempre da mesma forma.

Os profetas eram considerados ungidos, como claramente inferimos das ordens de não “tocar” os ungidos de Deus e de não “maltratar” seus profetas (Sl 105.15 e 1Cr 16.22 – paralelismo sintético). 

As referências são aos patriarcas. Não se sabe como e quando eles foram ungidos, mas os patriarcas eram profetas, servos ungidos de Deus. O fato de o Senhor mandar Elias ungir Eliseu (1Rs 19.16) certamente significava que os homens foram feitos cônscios de sua designação, consagração, autoridade e capacitação para um ofício.[v]


Além disso, a passagem de Isaías 61.1-3 fala exatamente da unção de um profeta: “O Espírito do SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados; a apregoar o ano aceitável do SENHOR e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram e a pôr sobre os que em Sião estão de luto uma coroa em vez de cinzas, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em vez de espírito angustiado; a fim de que se chamem carvalhos de justiça, plantados pelo SENHOR para a sua glória”Gerard van Groningen afirma que, “não é descrito o ritual da unção, mas há referência a ele e o resultado é claramente expresso”.[vi]


Para quem os três ofícios e a expressão “ungido do Senhor” apontam?


Como foi atestado pelo Antigo Testamento, os “ungidos do Senhor” eram homens escolhidos pelo Senhor para desempenharem os ofícios de rei, profeta e sacerdote. Além desse fato, dois homens, a saber, Moisés e Samuel, desempenharam os três ofícios simultaneamente. 

Moisés serviu como profeta, transmitindo a vontade de Deus ao seu povo, como sacerdote que oficiou a consagração de Arão e seus filhos e como o líder (governante).[vii] Samuel, semelhantemente, era um profeta, um sacerdote que oferecia sacrifícios a Deus e um juiz, alguém encarregado de governar o povo. 

Mais uma vez, Gerard van Groningen faz um excelente comentário sobre a interrelação dos três ofícios: “É fora de dúvida que os três ofícios deviam complementar-se entre si e cumprir papéis que eram vitais para cada um dos outros dois. Este fato esclarece por que os três ofícios eram cumpridos por homens designados como ‘ungidos do Senhor’”.[viii]

Os três ofícios, profeta, sacerdote e rei, foram desempenhados pelo Senhor Jesus Cristo. E, de fato, todos aqueles que, no Antigo Testamento, desempenharam essas funções e, por essa razão, eram conhecidos como os “ungidos do Senhor”, apontavam para Jesus Cristo. 
Todos os profetas, sacerdotes e reis da antiga administração do Pacto eram tipos de Jesus Cristo, prefiguravam o Messias, o Ungido de Deus.

Catecismo Maior de Westminster, respondendo à pergunta 42[ix], diz o seguinte sobre o tríplice ofício de Cristo: “O nosso Mediador foi chamado Cristo porque foi, acima de toda a medida, ungido com o Espírito Santo; e assim separado e plenamente revestido com toda a autoridade e poder para exercer as funções de profeta, sacerdote e rei da sua Igreja, tanto no estado de sua humilhação, como no da sua exaltação”.[x] 

O mesmo está expresso pela Confissão de Fé de Westminster, no capítulo sobre “Cristo, o Mediador”: “I. Aprouve a Deus, em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do mundo”.[xi]William G. T. Shedd expõe as maneiras como Cristo desempenhou os três ofícios da seguinte maneira: 

Seu ofício profético é ensinado nas seguintes passagens: “O SENHOR, teu Deus, te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim” (Dt 18.15,18; Atos 3.22); “O Espírito do SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas” (Is 61.1; Lc 4.18). 

Seu ofício sacerdotal é ensinado nas seguintes passagens: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque” (Sl 110.4; Hb 5.5-6); “Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que penetrou os céus” (Hb 4.14-15). 

Seu ofício real é ensinado nos seguintes textos: “o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, pai da Eternidade, Príncipe da Paz” (Is 9.6-7); “Eu, porém, constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião” (Sl 2.6).[xii]



A afirmação de Turretin também é interessante:

Agora, como todos os tipos relacionados com Cristo obtiveram o seu cumprimento nele, Cristo deve apresentar a verdade desse tríplice ofício em si mesmo, mas muito mais perfeitamente do que nos outros – não apenas em razão da conjugação destas três partes (que nenhum homem poderia cumprir ao mesmo tempo, como já vimos), mas também em virtude da eminência e dignidade, tanto do seu ofício como dos seus dons.[xiii]

Conclusão

A conclusão à qual podemos chegar após o arrazoado feito até aqui, é que todos aqueles que sob a economia do Antigo Testamento foram chamados de “ungidos do Senhor” serviam como tipos de Jesus Cristo, ou seja, eles eram prefigurações de Jesus, apontavam para o verdadeiro Messias, o verdadeiro Ungido. 

Sendo assim, a expressão “ungido do Senhor” é claramente messiânica, e todos aqueles que nos dias de hoje se apropriam de tal expressão estão, na realidade, agindo com um maligno messianismo, colocando-se no mesmo patamar de Jesus Cristo, exigindo das pessoas sob seus cuidados uma revência, uma dignidade e honra que pertencem exclusivamente a Jesus, o Ungido do Senhor.

 Além disso, esconder-se atrás da expressão “ungido do Senhor” é, de certo modo, esposar o episcopado romanista. Aqueles que se consideram como os intocáveis “ungidos do Senhor” dão a entender que possuem um tipo de unção diferenciada, uma unção desconhecida e não possuída pelas pessoas comuns, os membros da igreja, o que é algo falso e antibíblico. Pastores não são “ungidos do Senhor” de maneira diferenciada. 

Eles não são Ungidos, Messias, dotados de um tipo de “imunidade diplomática”. Vociferar: “A Bíblia diz: Ai daquele que tocar no ungido do Senhor! Por isso, não me toque! Não queira ser meu inimigo, pois o Senhor pesa a mão sobre todos aqueles que tocam nos seus ungidos!”, é cometer um sério atentado contra a doutrina do sacerdócio universal de todos os crentes.

 O Novo Testamento apresenta uma expansão nesse conceito, mostrando que todos aqueles que estão unidos a Jesus Cristo, o verdadeiro Ungido do Senhor, são igualmente ungidos pelo Espírito Santo como profetas, sacerdotes e reis. 

O apóstolo Pedro faz uma afirmação fantástica nesse sentido: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pedro 2.9). Os três ofícios são mencionados por Pedro: “sacerdócio real” (ofícios sacerdotal e real), e “a fim de proclamardes” (ofício profético). 

O apóstolo está falando de todos os verdadeiros crentes. Todos eles são “sacerdócio real”. Todos têm o dever de proclamar “as virtudes daqueles que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. Encerro com a correta afirmação de Geerhardus Vos: “O Rei ‘ungido’ e o povo ‘ungido’ estão intimamente relacionados. 

O caso paralelo da atribuição da ‘filiação’ a ambos sugere a possibilidade da posse comum da ‘unção’ por parte de ambos. No Novo Testamento, a unção é concedida tanto a Cristo como aos crentes”.[xiv]

 Portanto, ninguém pode dizer: “Sou um ungido do Senhor, e por isso, ninguém pode tocar em mim!”, sem incorrer em grave falta.




 Referências Bíbliograficas


[i]
 Victor P. Hamilton, In: R. Laird Harris, Gleason L. Archer, Jr., e Bruce K Waltke. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2001. p. 885.

[ii]
 Geerhardus Vos. The Self-Disclosure of Jesus: The Modern debate about the Messianic Consciousness. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2002. p. 105.

[iii]
 Matthew Poole. A Commentary On the Holy Bible: Genesis-Job. Vol. 1. Grand Rapids, MI: Hendrickson Publishers, 2010. p. 572.

[iv]
 Gerard van Groningen. Revelação Messiânica no Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 29.

[v]
 Ibid. p. 30.

[vi]
 Ibid. p. 31.

vii]
 O teólogo genebrino Francis Turretin afirma que, “nunca conhecemos ninguém que, perfeitamente, cumpriu os três ofícios. Eles estavam reservados para Cristo”. Cf. Francis Turretin. Institutes of Elenctic Theology
Vol. 2. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 1994. p. 392. Todavia, a discordância pode ser entendida quando leva-se em consideração que Turretin tem em mente o ofício real em si mesmo, ao passo que menciono Moisés e Samuel não como reis, mas simplesmente como homens que exerceram o governo entre o povo de Irael.

[viii]
 Ibid.

[ix]
 Pergunta 42: Por que foi o nosso Mediador chamado Cristo?

[x]
 O CATECISMO MAIOR DE WESTMINSTER. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p. 52. Ênfase acrescentada.

[xi]
 A CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. pp. 73-74.

[xii]
 William G. T. Shedd. Dogmatic Theology. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2003. p. 681.

[xiii]
 Francis Turretin. Institutes of Elenctic TheologyVol. 2. p. 394.

[xiv]
 Geerhardus Vos. The Self-Disclosure of Jesus: The Modern debate about the Messianic Consciousness. p. 107.






Segue abaixo alguns dos sintomas que caracteriza alguém que possivelmente tenha sido contaminado pelo vírus da síndrome do estrelismo gospel:

1 – Necessidade de aparecer na mídia, inclusive a secular.

2 – Sensação de que, o culto não acontece sem a sua presença.

3 – Tristeza quando um crente não pede autografo.

4 – Não participa do culto, porque chega sempre na hora de se apresentar (pregar ou cantar).

5 – Fica ressentido quando é chamado de irmão, ao invés de reverendo, cantor, bispo ou pastor.

6 – No culto o seu assento precisa ter um lugar de destaque.

7 – Participa do evento somente quando o hotel é cinco estrelas, e a viagem é de primeira classe.

8 – Sucesso ministerial é sinônimo de vendas de Cds, Dvds, ou livros, como também, uma agenda cheia de compromissos.

9 – Para que um mero mortal consiga falar com ele (a), precisa passar pela secretaria.

10 – Comparece ao culto somente quando o cachê (que normalmente é exorbitante), já está pago ou previamente combinado.

O antídoto contra este veneno que tem se alastrado no tempo presente em muitos corações ávidos pelo “sucesso ministerial”, continua sendo aquele proposto por Paulo (o apóstolo): 

“Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo.” (Gálatas 6.14)
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Samuel Torralbo é colunista do Púlpito Cristão, e contribui com a subversividade ao mundo Gospel.

Fonte: Púlpito cristão