segunda-feira, 10 de agosto de 2020

ESQUARTEJAMENTOS, MUTILAÇÃO E ESCRAVIDÃO: HÁ 134 ANOS, NASCIA O ESTADO LIVRE DO CONGO

 Entenda a formação de um reino privado no coração da África, dominado pelo próprio rei da Bélgica

ANDRÉ NOGUEIRA PUBLICADO EM 01/07/2019, ÀS 08H00

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Crédito: Reprodução

Na Europa, o século XIX foi marcado pelo frenético desenvolvimento da indústria com a busca por mercados consumidores e fontes baratas de matéria-prima. Foram alguns dos principais motivos da ignição do neocolonialismo sobre África e Ásia.

O Congo foi um dos casos mais fortes de crueldade e racismo durante o colonialismo europeu.

A missão de exploração, capitaneada pelo jornalista Henry Stanley, foi o primeiro marco da entrada europeia no Congo. O galês partiu do Zanzibar e subiu rios para adentrar ao continente e localizar o notório Dr. Livingstone, um importante explorador britânico.

Durante sua missão, Stanley conseguiu traçar a hidrografia da região e mapear os cursos úteis entre os rios do interior do continente. Voltou vitorioso e tinha planos em mente: ocupar e explorar a nova região encontrada, levando a civilização para as pessoas que lá viviam.

Stanley / Créditos: Wikimedia Commons

 

O tempo foi marcado pelos primeiros movimentos de entrada no continente. Além das feitorias portuguesas e das explorações científicas, não havia grande interesse em iniciar empreendimentos coloniais sérios no local. Os planos de Stanley para dominar a região do Alto do Rio Congo foram ignorados e quase não foram para frente.

Entretanto, Leopoldo II, monarca da Bélgica, era uma figura dúbia. Ao mesmo tempo em que era conhecido pela imagem do galã heroico, alto, imponente, inteligente e sensual, também era fadado pela minoridade no campo da política continental, sendo peixe pequeno no cenário europeu e líder de um quase insignificante país de pequeno porte.

A missão de Leopoldo era engrandecer a Bélgica através da colonização do terceiro mundo, mas suas iniciativas pessoais falharam e o estado belga não tinha interesse no plano.

O monarca tentou comprar uma província da Argentina, a ilha de Bornéu, partes da China, Vietnam e Japão e até tentou tomar as Filipinas da Espanha, tudo em vão. O governo constitucional da Bélgica barrou inúmeras iniciativas. E os interesses de Leopoldo nos planos de dominação do Congo de Stanley, o fizeram acompanhar o caso de perto e pensar numa solução para o impasse político.

Como consequência, o rei pensou numa forma de lançar o seu projeto de dominação: se o governo belga não demonstrasse interesse na ocupação de uma colônia congolesa, ele poderia, como cidadão europeu, adquirir aquelas terras.

Leopoldo II / Créditos: Wikimedia Commons

 

Leopoldo II colocou em prática uma iniciativa pela dominação da região, promovendo conferências para a produção de mapas e articulações estratégicas na região africana - além de contratar Stanley para financiar seu empreendimento colonial (afinal era o único europeu disposto a financiá-lo). O jornalista, que conhecia a região, comandou o processo de ocupação e foi responsável pela construção de linhas férreas que adentravam ao continente.

Assim começou a ocupação prática da região do Congo, que ficou estipulada como Estado Livre do Congo, e com status de propriedade privada do rei Leopoldo II. A determinação oficial de criação do Estado Livre se deu em 02 de maio de 1885, época em que já estavam começando os fervores colonialistas no restante da Europa.

A dominação de Leopoldo criou um furor no interior do continente, principalmente com a Inglaterra, que tinha pretensões de dominação em escala global e já havia iniciado empreendimentos militares de expansão da então Colônia do Cabo (atual África do Sul), comandada por Cecil Rhodes.

Bandeira do Estado Livre do Congo / Créditos: Wikimedia Commons

 

O Estado Livre do Congo era uma das principais fontes de borracha, diamantes e marfim para a Europa, se tornando uma importante fonte de riquezas rapidamente. Ao mesmo tempo, a colônia ficou marcada pelo uso de métodos brutais de trabalho e impedimento da participação política dos não-europeus.

Esquartejamentos, mutilação, escravidão, chibata, sequestro de crianças, destruição de vilas, assassinatos em massa e trabalho infantil eram alguns dos traços do regime de trabalho implantado por Leopoldo. Até para a época, a brutalidade usada no Congo era tamanha que só podia ser comparada com a colonização alemã, exemplo de desumanidade na época.

Casos de crueldade no Congo / Créditos: reprodução

 

Quando a verdade sobre a situação trabalhista e humanista no Congo chegou à imprensa ocidental, se iniciou uma campanha contra o domínio do rei. O objetivo principal das campanhas era enfraquecer o poder belga para a dominação da região por outras potências, mas a polêmica humanitária foi suficiente para o inicio de pressões humanitárias, tirando-o das mãos de Leopoldo II.

Ao fazer isso, a posse das terras tornou-se interesse público e responsabilidade do Parlamento belga. Com isso, o Estado Livre do Congo passou a ser considerado Congo Belga, oficialmente terras ultramarinas, uma colônia propriamente dita.

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/1885-nascia-ha-134-anos-o-estado-livre-do-congo.phtml

O HORROR DO ESTADO LIVRE DO CONGO EM IMAGENS

 Durante anos, o país africano foi propriedade privada do rei Leopoldo II. A extrema brutalidade contra os nativos fizeram o episódio ser conhecido como o ‘Holocausto esquecido da África’

FABIO PREVIDELLI PUBLICADO EM 06/11/2019, ÀS 16H09

Um colonizador belga exibe congolês com a mão amputada
Um colonizador belga exibe congolês com a mão amputada - Wikimedia Commons

No final de 1884, potências europeias se uniram para dividir a África entre si, no entanto, um pedaço no centro do continente não foi deixado nem aos africanos (como aconteceu com a Etiópia e Libéria) e nem aos Estados Colonialistas.

Muito pelo contrário, essa área gigantesca foi reconhecida como propriedade privada pertencente única e exclusivamente ao rei Leopoldo II. A determinação que aconteceu na Conferência de Berlim (de 15 de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885) permaneceu até o início do século 20.

Entretanto, esta condição peculiar não foi a razão pela qual o Estado Livre do Congo se tornaria reconhecido. O motivo foi muito mais sombrio e sangrento: a extrema brutalidade e falta de compaixão com que a população local era tratada fizeram com que muitos historiadores chamassem o episódio de “Holocausto esquecido da África”.

Confira imagens chocantes sobre esses casos.

Um congolês amarrado nas mãos e nos pés sendo chicoteado / Crédito: Wikimedia Commons

 

Uma ilustração do HM Stanley, “O Congo e a fundação de seu estado livre; uma história de trabalho e exploração" (1885) / Crédito: Wikimedia Commons

 

Escravidão no Congo, o Estado Livre do Congo era uma colônia administrada exclusivamente com fins lucrativos e tornou-se o local de alguns dos piores excessos e atrocidades da colonização européia na África / Crédito: Getty Imagens

 

Viajante britânico assistindo a um escravo sendo espancado, República Democrática do Congo, 1898 / Crédito: Getty Imagens

 

Crianças congolesas mutiladas / Crédito: Wikimedia Commons

 

Escrevos segurando as mãos decepadas de outros congoleses / Crédito: Wikimedia Common
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/o-horror-do-estado-livre-do-congo-em-imagens.phtml

 A região africana — que foi dominada como colônia da Bélgica — ficou conhecida como uma das experiências mais violentas de dominação contemporânea

ANDRÉ NOGUEIRA PUBLICADO EM 13/06/2020, ÀS 08H00

Congo Belga
Congo Belga - Wikimedia Commons

O Congo é um dos maiores e mais relevantes países da África, tendo um passado sombrio de crimes e atrocidades cometidos pela dominação colonial. Domínio dos belgas desde a Conferência de Berlim, a região, que posteriormente se tornaria um país, chocou o mundo diante de denúncias de abusos e ações criminosas por parte dos ocupadores. 

O país até hoje sofre consequências do caos político criado pela colonização e pelos atritos desenvolvidos pela política de morte da Bélgica, que não apenas colocou grupos étnicos diferentes em batalha como também embaralhou a distribuição demográfica regional. Por esse motivo, o Congo sofreu diversos episódios de golpes e guerras civis e hoje mergulha numa precariedade estrutural que impede seu desenvolvimento.

Conheça 5 fatos sobre o período mais sombrio de sua história, marcado pela dominação belga.

1. Propriedade privada

Rei Leopoldo II  / Crédito: Wikimedia Commons

 

O Congo Belga é o nome dado ao território ultramarino da Bélgica a partir de 1908, quando a região passou por mudanças de status jurídico. Isso porque, originalmente, o Congo era a maior propriedade privada do mundo, sendo dominado pelo rei belga Leopoldo II, que liderou os horrores cometidos. A essa grande propriedade, dava-se o nome de Estado Livre do Congo.

2. Exploração diária

Belgas e cativos mostrando mãos decepadas / Crédito: Wikimedia Commons

 

Entre as ações hediondas que ocorriam no Congo Belga, denunciadas pela Comunidade Internacional, a escravidão era a mais comum. Em nome da extração de recursos naturais valiosos, — como minérios e borracha — a Force Publique e o Exército criaram um regime de dominação baseado em castigos e punições, que incluíam a chibata, armas modernas, tortura, afogamento, estupro, incineração de aldeias e assassinato.

Uma das técnicas de controle que ficou conhecida por seu uso no Congo Belga era a dilaceração ou extirpação de membros como punição pelo não cumprimento da cota de trabalho. Basicamente, quando os senhores estavam insatisfeitos com a coleta dos trabalhadores, uma mão ou um pé era arrancado. Assim ocorria sucessivamente, até que homens e mulheres não fossem mais capazes de trabalhar, sendo executados ou deixados para morrerem de inanição.

3. Denúncias

George Washington Williams / Crédito: Wikimedia Commons

 

Além da disputa colonial e ética, propriamente ditas, outras potências do norte atuaram como revezes ao projeto de governo dos belgas na África. Por isso, países como EUA, Inglaterra e França se esforçaram na criação de impeditivos contra a Bélgica de Leopoldo, incluindo uma série de denúncias contra o regime congolês.

O Reino Unido, claro, tinha como compromisso principal sua hegemonia na disputa por territórios e o enfraquecimento do oponente continental. Porém, a primeira denúncia contra os crimes de Leopoldo vieram de uma boa intenção: George Washington Williams, um escritor e militar estadunidense, que anunciou ao mundo as barbáries ocorridas no país após uma viagem de investigação.

4. Independência

Patrice Lumumba / Crédito: Wikimedia Commons

 

Assim como a maioria dos países africanos, a emancipação política do Congo Belga veio acontecer depois da Segunda Guerra Mundial, após esforços diversos de negociação e guerra contra o domínio colonial. O processo de independência do país passou, principalmente, por um movimento diplomático, associado com programas de autonomia econômica e algumas revoltas mais violentas, tendo como principal condutor o Movimento Nacional Congolês, em sua ala de caráter socialista, anti-imperialista e pan-africanista.

Seu principal preceptor era Patrice Lumumba, um líder político envolvido com o movimento desde antes da independência, quando fazia representações do país. Com sua participação, o Congo declarou sua independência em 1960, quando Lumumba foi eleito primeiro-ministro e convencionou o nome República do Congo à nação. Lumumba se manteve no poder até sofrer um golpe de Mobutu Sese Seko, 12 semanas depois.

5. Genocídio

As atrocidades cometidas no Congo Belga estão entre as mais violentas do mundo contemporâneo, e as diversas denúncias feitas contra a Bélgica tentaram incluir o crime de genocídio. Porém, essa acusação foi alvo de grande polêmica. Segundo a defesa belga, nunca houve um alvo étnico nas ações do Estado, com intuito de eliminação, então a acusação não procederia.

Porém, uma resolução sobre esse tema da ONU declarou que um genocídio implica em qualquer prática deliberada de matança de membros de um grupo étnico distinto, em que a intenção inclui destruição, mesmo que parcial, da população. Portento, o que aconteceu no Congo foi genocídio

QUAIS FORAM AS ESTÁTUAS AFETADAS PELOS PROTESTOS ANTIRRACISTAS NO MUNDO?

 Derrubadas, removidas, pichadas e desfiguradas, figuras ligadas à colonização, escravidão e ao fascismo foram alvos de manifestações

ANDRÉ NOGUEIRA PUBLICADO EM 15/06/2020, ÀS 12H56

Estátua vandalizada de Leopoldo II
Estátua vandalizada de Leopoldo II - Divulgação

Durante os protestos antirracistas, antifascistas e antissistema que vêm tomando o mundo, com foco nos EUA, muitas estátuas em homenagem a nomes ligados ao escravismo e ao colonialismo estão sendo pichadas, desfiguradas, derrubadas ou removidas de seus pedestais por esforços de mudança dos paradigmas de memória.

Conheça os nomes de figuras que tiveram seus monumentos alterados nessa onda de manifestações

Símbolos de homens do passado ligados ao escravismo foram destruídos ou removidos pelos próprios governos por pressões da sociedade. Um dos casos mais famosos se encontra com a figura do navegador Cristóvão Colombo, responsável pelo início do genocídio indígena na América, cuja estátua fora decapitada em Boston e derrubada em Richmond. Estátuas suas também foram vandalizadas em Wilkes-Barre e Springfield.No Reino Unido, a homenagem ao traficante de escravos Edward Colston foi lançada num rio, mesmo destino de John McDonogh, empresário colonialista, em Nova Orleans. Já no Oregon, uma série de protestos nas universidades derrubou duas estátuas de Alexander Phimister Proctor, que fazia referência aos pioneiros europeus da colonização (The Pioneer e The Pioneer Mother).

Tiveram o mesmo destino monumentos a figuras importantes da defesa da escravidão nos EUA: Thomas Jefferson, em Portland, e Jefferson Davis, em Richmond. Já outras estátuas foram removidas pelo governo após muitas pressões e depredações contra estátuas. No Reino Unido, por exemplo, um monumento a Robert Milligan, traficante de escravos, em Londres, e uma estátua de um menino escravo carregando peso em Dunham foram retirados.

Além disso, após fortes depredações de uma estátua do rei Leopoldo II na Antuérpia (Bélgica), o símbolo foi removido, assim como uma representação do militar colonizador John Hamilton, na cidade de Hamilton, na Nova Zelândia.

Estátua de Thomas Jefferson derrubada / Crédito: Divulgação

 

Vandalizadas

Os protestos ao redor do mundo também picharam com acusações de racismo e destruíram parcialmente estátuas de figuras polêmicas de tempos mais recentes. É o caso de Winston Churchill, em Londres.Nos EUA, figuras como Robert E. Lee (Richmond), general confederado e Matthew Deady (Eugene), colonizador foram pichados. O mesmo ocorreu em Melbourne (Austrália) com a imagem do navegador e colonizador James Cook e, em Auckland (Nova Zelândia) com George Grey. Uma imagem de Indro Montanelli, em Milão, Itália, foi desfigurada em protestos antifascistas por sua ligação com o programa de colonização do chifre africano de Mussolini.

Pichações também afetaram figuras como Robert Dundas, Henry Temple (Visconde de Palmerston) e Tomas Carlyle, aristocratas britânicos, no Reino Unido, assim como placas em Londres e Berlim com nomes associados ao racismo.

Monumentos foram ameaçados de destruição, mas não chegaram a ser atingidos. É o caso de Robert Clive (militar colonial) e Robert Peel (político) em Londres, além de Gandhi e Mandela, protegidos contra eventuais ataques da extrema-direita, e o fundador do escotismo Robert Baden-Powell (militar e colonialista) em Poole, que teve interferências estéticas mas foi protegido pela população.

Estátua de Winston Churchill pichada / Crédito: Divulgação

 

Em outro protesto, em Dunedin, na Escócia, duas estátuas sofreram com pichações e cartazes: o poeta Robbie Burns, figura central do país, mas acusado de racismo e crimes de estupro, e a Rainha Vitória, responsável por ações de colonização na Ásia, na África e no próprio Reino Unido.

Pedidos de remoção

Além disso, já movimentos da sociedade civil pelo mundo que apelam ao governo para que estátuas ligadas ao escravismo sejam derrubadas, mas que ainda não sofreram ataques propriamente ditos dessas manifestações.

Na cidade de São Paulo, Brasil, abaixo-assinados pedem a derrubada do Monumento às Bandeiras, que homenageia o movimento de adentramento à colônia por caçadores de índios, e a estátua de Manoel Borba Gato, famoso pela prisão de indígenas e africanos para o mercado de escravos.

O Monumento às Bandeiras já foi pintado em protesto anos atrás / Crédito: Fotos Públicas

 

Além disso, em Boston, existe uma petição pela derrubada de uma estatua de Abraham Lincoln com um escravo aos pés; uma do ex-presidente William Henry Harrison em Cincinnati; e no Texas, pela retirada de Lawrance Sullivan Ross, político ligado ao escravismo.

Em Oxford, há pedidos contra um monumento ao empresário Cecil Rhodes, central na colonização da África, e em Montreal (Canadá), contra o proprietário de escravos James McGill.