Entenda a formação de um reino privado no coração da África, dominado pelo próprio rei da Bélgica
ANDRÉ NOGUEIRA PUBLICADO EM 01/07/2019, ÀS 08H00
Na Europa, o século XIX foi marcado pelo frenético desenvolvimento da indústria com a busca por mercados consumidores e fontes baratas de matéria-prima. Foram alguns dos principais motivos da ignição do neocolonialismo sobre África e Ásia.
O Congo foi um dos casos mais fortes de crueldade e racismo durante o colonialismo europeu.
A missão de exploração, capitaneada pelo jornalista Henry Stanley, foi o primeiro marco da entrada europeia no Congo. O galês partiu do Zanzibar e subiu rios para adentrar ao continente e localizar o notório Dr. Livingstone, um importante explorador britânico.
Durante sua missão, Stanley conseguiu traçar a hidrografia da região e mapear os cursos úteis entre os rios do interior do continente. Voltou vitorioso e tinha planos em mente: ocupar e explorar a nova região encontrada, levando a civilização para as pessoas que lá viviam.
O tempo foi marcado pelos primeiros movimentos de entrada no continente. Além das feitorias portuguesas e das explorações científicas, não havia grande interesse em iniciar empreendimentos coloniais sérios no local. Os planos de Stanley para dominar a região do Alto do Rio Congo foram ignorados e quase não foram para frente.
Entretanto, Leopoldo II, monarca da Bélgica, era uma figura dúbia. Ao mesmo tempo em que era conhecido pela imagem do galã heroico, alto, imponente, inteligente e sensual, também era fadado pela minoridade no campo da política continental, sendo peixe pequeno no cenário europeu e líder de um quase insignificante país de pequeno porte.
A missão de Leopoldo era engrandecer a Bélgica através da colonização do terceiro mundo, mas suas iniciativas pessoais falharam e o estado belga não tinha interesse no plano.
O monarca tentou comprar uma província da Argentina, a ilha de Bornéu, partes da China, Vietnam e Japão e até tentou tomar as Filipinas da Espanha, tudo em vão. O governo constitucional da Bélgica barrou inúmeras iniciativas. E os interesses de Leopoldo nos planos de dominação do Congo de Stanley, o fizeram acompanhar o caso de perto e pensar numa solução para o impasse político.
Como consequência, o rei pensou numa forma de lançar o seu projeto de dominação: se o governo belga não demonstrasse interesse na ocupação de uma colônia congolesa, ele poderia, como cidadão europeu, adquirir aquelas terras.
Leopoldo II colocou em prática uma iniciativa pela dominação da região, promovendo conferências para a produção de mapas e articulações estratégicas na região africana - além de contratar Stanley para financiar seu empreendimento colonial (afinal era o único europeu disposto a financiá-lo). O jornalista, que conhecia a região, comandou o processo de ocupação e foi responsável pela construção de linhas férreas que adentravam ao continente.
Assim começou a ocupação prática da região do Congo, que ficou estipulada como Estado Livre do Congo, e com status de propriedade privada do rei Leopoldo II. A determinação oficial de criação do Estado Livre se deu em 02 de maio de 1885, época em que já estavam começando os fervores colonialistas no restante da Europa.
A dominação de Leopoldo criou um furor no interior do continente, principalmente com a Inglaterra, que tinha pretensões de dominação em escala global e já havia iniciado empreendimentos militares de expansão da então Colônia do Cabo (atual África do Sul), comandada por Cecil Rhodes.
O Estado Livre do Congo era uma das principais fontes de borracha, diamantes e marfim para a Europa, se tornando uma importante fonte de riquezas rapidamente. Ao mesmo tempo, a colônia ficou marcada pelo uso de métodos brutais de trabalho e impedimento da participação política dos não-europeus.
Esquartejamentos, mutilação, escravidão, chibata, sequestro de crianças, destruição de vilas, assassinatos em massa e trabalho infantil eram alguns dos traços do regime de trabalho implantado por Leopoldo. Até para a época, a brutalidade usada no Congo era tamanha que só podia ser comparada com a colonização alemã, exemplo de desumanidade na época.
Quando a verdade sobre a situação trabalhista e humanista no Congo chegou à imprensa ocidental, se iniciou uma campanha contra o domínio do rei. O objetivo principal das campanhas era enfraquecer o poder belga para a dominação da região por outras potências, mas a polêmica humanitária foi suficiente para o inicio de pressões humanitárias, tirando-o das mãos de Leopoldo II.
Ao fazer isso, a posse das terras tornou-se interesse público e responsabilidade do Parlamento belga. Com isso, o Estado Livre do Congo passou a ser considerado Congo Belga, oficialmente terras ultramarinas, uma colônia propriamente dita.
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